No início da disseminação do novo coronavírus na cidade de Wuhan, na China, 86% dos infectados não apresentaram sintomas ou reagiram de forma branda e, por isso, não foram identificados. Ao permanecerem em circulação, foram fonte para 79% das pessoas comprovadamente afetadas pela COVID-19 – ou seja, que tiveram sintomas, passaram pelo sistema de saúde e foram submetidas aos primeiros testes. Nessa relação, a proporção foi de 801 casos registrados para 13.118 não documentados.
Esse é o resultado de um estudo publicado na semana passada na revista Science, assinado por pesquisadores vinculados ao Imperial College London e às universidades de Columbia, da Califórnia, de Hong Kong e Tsinghua. Eles usaram um modelo matemático para inferir características epidemiológicas associadas ao SARS-CoV2 e concluíram que, a cada 100 infectados, apenas 14 estavam controlados. O restante seguiu sua vida normalmente e, mesmo sem conhecimento da situação, contribuiu para que o novo coronavírus alcançasse, em menos de um mês, outras 375 cidades chinesas. “Em todo o país, o número total de infecções entre 10/1 e 23/1 foi de 16.829”, aponta o texto.
Conforme relatam no artigo, esses números são anteriores a 23/1, quando o governo daquele país adotou restrição para viagens e outras medidas de isolamento. Ao avaliarem o período posterior, de 24/1 a 8/2, quando a quarentena já era uma realidade, os pesquisadores observaram queda de 35% na velocidade das infecções.
“Isso significa que, quanto maior o número de pessoas que não sabem que estão infectadas continuarem tendo contato social e se movimentando pelos centros urbanos, muito maior será o número de casos de COVID-19”, comentou, a pedido de nossa reportagem, Luciana Costa, professora do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes (IMPG) da UFRJ e integrante do Grupo de Trabalho Multidisciplinar para Enfrentamento da COVID-19. Ela reforçou o que, nas ciências, é consenso: “Por essa razão, as medidas de isolamento social, implementadas primeiro na China e posteriormente nos outros países, é que irão conter a explosão no número de casos de infecção”.
Potencial pandêmico
Pesquisa realizada pela Universidade de Oxford e divulgada, nesta semana, pelo jornal Financial Times, revela que metade da população do Reino Unido já estaria infectada pelo novo coronavírus e que, a cada mil pessoas, uma teria manifestado os sintomas. O estudo compara os registros do Reino Unido e da Itália e aventa a possibilidade de a COVID-19 ter se espalhado nesses territórios cerca de um mês antes dos primeiros casos confirmados.
Foto: Artur Moês (Coordcom/UFRJ)
Para os oito pesquisadores que assinam o estudo, essa informação reforça, primeiro, o potencial pandêmico da doença; segundo, que mais pesquisas são necessárias para que se determinem quais são os estágios da COVID-19 nas populações do mundo. “Nossas simulações estão de acordo com outros estudos de que a atual onda epidêmica no Reino Unido e na Itália, na ausência de intervenções, deve ter uma duração aproximada de 2 a 3 meses, com o número de mortes atrasando-se no tempo em relação às infecções gerais”, escreve a equipe.
Testes
Os dois trabalhos aqui citados têm conclusão semelhante e apontam para a urgência de se ampliar a realização de testes para contemplar, também, os infectados com sintomas leves ou que não apresentam sintomas. No Brasil, os exames são feitos somente em pacientes graves ou em profissionais de saúde. “O aumento da testagem – identificação do caso com teste laboratorial comprovadamente positivo – ainda é um desafio, dada a disponibilidade de pessoal e material para sua realização”, avaliou Luciana Costa.
É por isso que, mais uma vez, é preciso ser redundante: o isolamento social é a principal decisão que podemos tomar atualmente. “O que por si só já diminuirá o contato social daqueles assintomáticos ou com sintomas leves, diminuindo, assim, as transmissões”, explicou a pesquisadora da UFRJ.