Por Wilson Gomes - UFBA

 

"Depois da experiência da China e da Itália, sabemos que os índices de contágio e morte dos profissionais de saúde pelo covid-19 é enorme. E, no Brasil, sabemos que nem os equipamentos básicos que os protegem existem em número suficiente, assim como estamos longe de ter um plano claro, preciso e competente, organizado e liderado pelo governo, para oferecer garantias mínimas a médicos e enfermeiros. Muitos não sobreviverão a esta guerra.

 

Todas as famílias estão apavoradas, porque não sabem, hoje, quantos dos seus membros ficarão contaminados ou morrerão pelo novo coronavírus. Mas quem tem um profissional de saúde na família já sabe que eles estão entre os mais vulneráveis e que muitos ficarão doentes ou mortos antes do fim do semestre. E que a inépcia do governo os entregou à própria sorte.

A classe médica brasileira, em sua maioria ruidosa, foi um bastião do antipetismo, do antiestatismo (SUS incluído) e, quando veio o tempo, do bolsonarismo. Como os brasileiro em geral, a classe médica não confia no Estado. Numa crise, a tendência é sempre se voltar contra o Estado e adotar uma retórica antigoverno. Vota sempre para punir o Estado. Da última vez, o voto de punição produziu um antigoverno: antiestablishment, mas também anticiência, anti-SUS, anti-auxílio estrangeiro de médicos cubanos.

E agora? Quem vai liderar o país para enfrentar a tragédia? O "Estado mínimo", aquele que se voltou feroz contra o SUS e contra os cientistas? Um governo todo montado para a guerra ideológica, mas não para liderar, coordenar, planejar, fazer acontecer? Um governante especialista em lacração e populismo que nunca foi visto liderando pessoas em um projeto construtivo e de alto nível? Um rufião, assediador

e desagregador?

O profissional de saúde no Brasil hoje deve se sentir como soldado na linha de frente de uma guerra, mas sem generais, sem equipamentos, sem um plano, e contra um inimigo mortal: o vírus. O General Bolsonaro os deixou entregues à própria sorte. Nem podem mais pular fora, como sempre ameaçaram, porque não há mais "fora" para onde se pular. Nem migrar para Miami ou Londres eles podem, as tão desejadas fronteiras estão fechadas. Nem podem usar aquele segundo passaporte, que quase todos se gabam de ter, para ir para a Itália ou Portugal; Minas não há mais, Dr. José, e agora? Ao Deus dará, culpará o PT? Sem EPIs, responsabilizará os médicos cubanos? Sem respiradores nas UTIs, chamará o Posto Ipiranga? Recorrerá a Moro? Entregará a Deus? Se implicará no processo?

Lamento que a realidade para a qual se advertia tenha chegado tão cedo e tão amarga. Os profissionais de saúde de um país são recursos valiosíssimos e, em uma pandemia, reverenciados. Lamento tanto que quem escolheu a ameba que nos governa tenha decidido que precisávamos de quem nos protegesse do comunismo e de um delírio de corrupção das criancinhas e não imaginou que, mais cedo do que pensávamos, iríamos precisar de um governo adulto, esclarecido e de verdade. Lamento de coração que os profissionais de saúde sejam dos primeiros a pagar pelo trágico erro cometido pelo país em 28 outubro de 2018. Lamento imensamente. Lamento."

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