*Palácios, Costa, Thomé, Schramm, Barboza, Brito, Narciso, Fiori, Fortes, Rego, Santos e Marinho, 2020.

 

A COVID-19, tem nos apresentado desafios em todas as áreas. Aos desafios, a comunidade acadêmica tem respondido com grande exuberância. Muitas pesquisas têm sido propostas, vários grupos e redes de pesquisadores têm sido constituídos - engenheiro/as, médico/as, enfermeiro/as, cientistas sociais, operadores do direito entre outras profissionais têm respondido aos desafios propostos. Tais desafios referem-se à busca por respostas a questões, entre outras: qual é o impacto social e econômico da pandemia sobre as populações? Como projetar e desenvolver um respirador simples e de baixo custo? Ou como produzir rapidamente grandes quantidades de máscaras e outros Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários para o enfrentamento da epidemia em meio a escassez total desses recursos e a uma luta comercial por eles em nível mundial? Como testar de forma rápida e eficaz para saber se o novo produto está contaminando? Ou que opções terapêuticas são eficazes? São todas pesquisas que em algum momento vão envolver humanos. É exatamente nesse momento que pesquisadores perguntam como agilizar o processo de avaliação ética, especialmente quando há pesquisadores de áreas que tradicionalmente não submetem seus projetos de pesquisa à avaliação de comitês independentes.

 

Para responder à pergunta do título nossa resposta é não! É fundamental compreendermos que não há lugar para a pesquisa ética sem a garantia do respeito aos direitos humanos. Ou seja, os requisitos éticos devem ser considerados e mantidos – mesmo durante emergências sanitárias. Mas, o que são os requisitos éticos? Em 1975 um grupo multidisciplinar e com participação da comunidade se reuniu, sob a chancela do governo americano para estabelecer tais requisitos, em face da grande repercussão pública de denúncias de pesquisas eticamente inadequadas: o grupo definiu os princípios éticos que devem nortear as pesquisas envolvendo seres humanos. Elegeram 3 princípios fundamentais: Respeito às pessoas; Beneficência e Justiça (Relatório Belmont). Para aplicar a mesma ideia de definir princípios fundamentais para a prática em saúde, Beauchamp e Childress destacaram um quarto princípio, o da não-maleficência. A regulamentação brasileira incorporou em suas resoluções os quatro princípios.

Assim, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 196 /96 e revogada pela Resolução CNS 466/12 estabeleceram um conjunto de regras baseadas nos 4 princípios que devem ser obrigatórios na condução de pesquisa envolvendo pessoas. A obrigação de respeitar o humano na sua dignidade e autonomia não deve ser relativizada mesmo durante uma epidemia ou emergência sanitária. Nem a obrigação de agir em benefício do participante e de não lhe causar malefícios tampouco pode ser considerada letra morta em situação de emergência sanitária. Uma distribuição justa de ônus e bônus da pesquisa também não tem uma relação inversamente proporcional à gravidade da epidemia. Os princípios que norteiam essas normativas, com ou sem epidemia, em algumas situações de pesquisa podem conflitar. Nessas ocasiões se deve ponderar, em cada caso concreto como resolver o conflito. Devem ser desenvolvidos argumentos validados por um comitê independente para que se deixe de considerar algum princípio. Não basta o conflito para que se faça meramente a escolha de um princípio preponderante. É necessário justificar adequadamente a opção, avaliar as consequências e propor medidas para mitigar os efeitos da opção.

Assim é que às vezes o pesquisador entende que se estamos numa epidemia e a intervenção em teste é para uso em pacientes sedados, o consentimento estaria implícito. Uma pessoa sedada não perdeu a sua dignidade. Ela não pode ser exposta a um procedimento experimental sem consentimento. No entanto, se há uma justificativa científica bem fundamentada para realizar a pesquisa nessas condições, um responsável pelo participante deverá ser contatado e dará ou não o consentimento como substituto para expressar a vontade do participante. Em tempos de COVID-19 muitas pesquisas estão sendo desenvolvidas nos hospitais com pacientes internados, às vezes sedados, sem acompanhantes presentes. Nessas condições especial cuidado deve ser tomado para que a família seja adequadamente esclarecida e se obtenha, ou não, o consentimento para a pesquisa. Seja por vídeo ou outra forma o consentimento deve ser explícito e sempre depois de ter sido adequadamente esclarecido e documentado. 

Um balanço adequado entre riscos e benefícios em momento de COVID-19 não será tarefa fácil. Principalmente se considerarmos em que há uma transmissibilidade intensa com excesso de mortes e sem tratamento curativo estabelecido. Há uma pressão enorme para encontrar um caminho que seja ao menos promissor para diminuir o número de mortes. Mas essa pressão não pode justificar um excesso de risco para os participantes sem que a possibilidade de haver benefício seja superior para esses mesmos participantes. Sempre que pensamos em testes de alguma intervenção terapêutica não podemos prescindir dos estudos anteriores de segurança e de uma justificativa adequada da possibilidade de eficácia. A justificativa científica não fica suspensa em tempos de emergência sanitária. A cada malefício previsível deverá corresponder uma medida de controle, mitigação ou reparação. A preferência para inclusão dos participantes é outro ponto importante da análise ética. Se é possível escolher alguém com plena autonomia, melhor. Ou alguém com menores possibilidades de efeitos sérios também é melhor. 

Sem dúvida a emergência da COVID-19, uma doença nova, sem tratamento, que obriga a população mundial a mudar inteiramente sua vida, e com excesso de mortes, demanda urgência em pesquisa de todas as áreas. Não são pesquisas para daqui a pouco, devem ser implementadas imediatamente, com toda a urgência da epidemia. A epidemia demanda respostas cientificamente comprovadas em todas as áreas e rapidamente. Então, o que fazer?

Da mesma forma que o sistema de saúde tem que se preparar para dar as respostas as mais céleres e eficazes, o sistema de avaliação ética também se organiza para dar respostas rápidas. O sistema CEP / CONEP se organizou para responder à urgência da epidemia da COVID-19. A CONEP criou câmaras virtuais e está avaliando todos os protocolos que tratem do enfrentamento da epidemia.

As regras de celeridade são implantadas sem que se permita diminuir o rigor ético. Devemos ser éticos e rápidos, e rejeitar a opção terrível de sermos antiéticos e rápidos. A escolha moral é clara.

 

DOI: 10.13140/RG.2.2.35133.00489

 

Autores:

Marisa Palácios – Nubea/UFRJ, PPGBIOS, GT Bioética Abrasco - Rio de Janeiro Unit/Unesco Chair of Bioethics at Haifa. Contato: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Alexandre Costa – Nubea/UFRJ – PPGBIOS, Rio de Janeiro Unit/Unesco Chair of Bioethics at Haifa.
Beatriz Thomé - UNIFESP
Fermin Roland Schramm –Ensp/Fiocruz - PPGBIOS
Heloisa Helena Barboza – Faculdade de Direito /UERJ - Rio de Janeiro Unit/Unesco Chair of Bioethics at Haifa
Luciana Brito – ANIS – Instituto de Bioética - GT Bioética Abrasco - Unit RJ/Unesco Chair Haifa
Luciana Narciso - Ensp/Fiocruz - PPGBIOS – GT Bioética Abrasco - Unit RJ/Unesco Chair Haifa
Luciana Narciso – Nubea/UFRJ e Ensp/Fiocruz/PPGBIOS – GT Bioética Abrasco
Maria Claudia da Silva Vater da Costa Fiori - Nubea/UFRJ – PPGBIOS - Rio de Janeiro Unit/Unesco Chair of Bioethics at Haifa
Pablo Dias Fortes – Ensp/Fiocruz - PPGBIOS
Sergio Rego - Ensp/Fiocruz – PPGBIOS - PQ CNPq – GT Bioética Abrasco - Rio de Janeiro Unit/Unesco Chair of Bioethics at Haifa
Sônia Beatriz dos Santos – Faculdade de Educação /UERJ.
Suely Marinho – HUCFF / UFRJ - GT Bioética Abrasco


Contribuições: Marisa Palácios escreveu a primeira versão do texto, que foi debatido com os demais autores e escrito sucessivas versões até chegarmos à versão final.
• Todos os autores participam do Observatório Covid-19, GT de Bioética, organizado na Fundação Oswaldo Cruz.
• Participam do GT de Bioética do Observatório Covid-19 docentes da: Ensp/Fiocruz, Nubea/Ufrj, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal

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